Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

23 de março de 2016

A Escrava Isaura




Graças ao Projecto Adamastor, pude ler este romance. Vi a primeira versão da telenovela, realizada em 1976 e com os desempenhos de Lucélia Santos e Ruben de Falco. Uma telenovela é considerada obra menor, por não dar grande (ou mesmo nenhuma) profundidade às personagens e se servir de clichés e de artifícios “baratos” e/ou pouco originais para o enredo. Este romance, por outro lado, é considerado um clássico e esta dualidade pôs-me curiosa.

Quando o livro foi publicado pela primeira vez, em 1875, o movimento abolicionista no Brasil estava no seu auge, com muita repercussão social, e o objetivo principal do autor Bernardo Guimarães foi apoiar esse movimento. Mostra o absurdo da escravatura em várias passagens:

«- Tu o disseste, Geraldo: amo-a muito, e hei-de amá-la sempre e nem disso faço mistério algum. E será coisa estranha e vergonhosa amar-se uma escrava? O patriarca Abraão amou sua escrava Agar, e por ela abandonou Sara, sua mulher» - pág. 108

«- Infame e cruel direito é esse, meu caro Geraldo. É já um escárnio dar-se o nome de direito a uma instituição bárbara, contra a qual protestam altamente a civilização, a moral e a religião. Porém, tolerar a sociedade que um senhor tirano e brutal, levado por motivos infames e vergonhosos, tenha o direito de torturar um frágil e inocente criatura, só porque teve a desdita de nascer escrava, é o requinte da celeradez e da abominação» - pág. 109

«vemos a lei armando o vício, e decepando os braços à virtude» - pág. 127

«deplorável contingência, a que somos arrastados em consequência de uma instituição absurda e desumana»- pág. 127

Como se vê, a escravatura é atacada de maneira muito eloquente. As tiradas enérgicas saem da boca de Álvaro, apaixonado pela escrava Isaura. Ao mesmo tempo, porém, esta é uma grande fraqueza do romance, já que é uma branca belíssima, filha de um branco e de uma mulata, que personifica a desumanidade da escravidão. A sociedade em que vivia Bernardo Guimarães, mesmo a que exigia o abolicionismo, não aceitaria tais eloquências amorosas por parte de um branco em relação a uma negra.

Achei igualmente desadequada a sua estrutura de peça de teatro. Várias cenas se passam no mesmo cenário, conforme as personagens entram e saem. Todo o romance (que aliás não é grande) se passa em apenas cinco cenários. Tem, no entanto, a vantagem de caracterizar uma época, o que lhe confere o epíteto de clássico. O que mais me chocou foi a maneira autêntica (e, por isso mesmo, assustadora) de caracterizar as mulheres: frágeis, extremamente dóceis e encantadoras, totalmente dependentes dos homens.




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