Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

20 de dezembro de 2014

Uma história de Natal vinda do Leste

Qualquer ditadura é exímia em propaganda, nós portugueses sentimo-lo na pele durante quase cinquenta anos. Costumamos, porém, ligar ditadura a regimes de direita, esquecendo-nos de que os de orientação esquerdista não lhes ficavam atrás. Venho, a este propósito, referir a propaganda que escolhia o público infantil como alvo (porque «de pequenino se torce o pepino»), na antiga República Democrática Alemã (para quem não sabe, a parte da Alemanha comandada pelo imperialismo soviético e que desapareceu, com a queda do Muro de Berlim).

Li sobre este caso na KirchenZeitung. Klara Kolhoff, de 18 anos, como tantos outros jovens alemães, sabe que não existia se o Muro de Berlim não tivesse caído. A sua mãe é originária de Osnabrück, o seu pai nasceu na antiga RDA. Apesar do fim do comunismo, o pai não esqueceu as suas origens e, quando Klara e o irmão eram pequenos, leu-lhes a história do Hirsch Heinrich (O Veado Heinrich), originária da Alemanha de Leste, um livro cheio de imagens coloridas, animais, neve e crianças felizes. Apesar disso, Klara lembra-se que, tanto ela como o irmão, não gostaram muito e, ao contrário do que costumava acontecer, não quiseram que o pai lhes lesse a história uma segunda vez.


O caso foi esquecido, até que Klara, frequentadora do 11º ano, precisou de um tema para um trabalho escolar sobre a RDA. Pesquisando na Biblioteca de Osnabrück, ela ficou a saber que a ditadura comunista se refletia na literatura infantil. Os livros deviam contribuir para a formação de uma «personalidade socialista», despertar a ideia de «lar socialista», assim como desenvolver a «predisposição para a defesa e a amizade em relação à União Soviética e a solidariedade por todos os regimes socialistas/comunistas do mundo».

Klara descobriu então que quase nada no Hirsch Heinrich era por caso. O veado, originário da China, foi parar a um zoo alemão. Toda a gente era muito simpática com ele, tratava-o bem e visitava-o regularmente, pelo que depressa esqueceu as saudades do seu país - aqui, a alusão à solidariedade entre todos os países comunistas. Com a aproximação do Natal, porém, as visitas das crianças tornaram-se mais raras e o veado decidiu saltar a cerca, tentando regressar à China. Uma vez no meio do bosque, em liberdade, viu-se atacado por medos e preocupações.


A mensagem era evidente: a vida fora do coletivo socialista era solitária e difícil. O veado Heinrich acabou por regressar ao zoo, onde vivia em cativeiro, pois era lá que existia quem tomasse conta dele. Ao fazer uma leitura mais atenta, Klara encontrou ainda uma crítica camuflada à religião cristã. Foi com a aproximação do Natal que começaram os problemas do veado Heinrich. E uma cena no bosque é ainda mais evidente: quando o animal se preparava para comer uma couve que fora ali abandonada, os sinos de uma igreja nas proximidades começaram a troar. Heinrich assustou-se e fugiu, horrorizado com o barulho. Foi mesmo este percalço que o convenceu a voltar ao cativeiro seguro.



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