Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

10 de maio de 2012

Boa história, ou boa escrita?

A Carla M. Soares, autora de Alma Rebelde (Porto Editora, 2012), citava, no seu blogue, aqui há tempos, uma pergunta que lera num outro: o que é preferível num livro, uma boa história ou uma boa escrita?

Lembrei-me de algo que li, também já há bastante tempo, no Blogtailors: Documentos que foram recentemente tornados públicos mostram que J. R. R. Tolkien terá sido nomeado, há 50 anos, para prémio Nobel de Literatura pelo seu colega e amigo C. S. Lewis. O júri rapidamente recusou a nomeação, afirmando que O Senhor dos Anéis não teria qualidade suficiente para concorrer. Nesse ano, o vencedor foi o autor jugoslavo Ivo Andrić.

O que é um bom livro? Só é boa escrita aquilo que é literário? A dificuldade passa, também, por definir o que é literário, o que é literatura. A tradição europeia desfavorece a imaginação, para exaltar a chamada escrita literária, mesmo que esta produza enredos fracos. A tradição americana já dá mais valor a uma boa história.

Numa entrevista que deu ao blogue Silêncios que Falam, o escritor Joel Neto disse o seguinte: continua a faltar diversidade à nossa literatura. Nem tudo devia ser formalismo. Tem de haver mais espaço para o romance clássico. E também devemos procurar uma literatura popular de qualidade, sem a qual continuaremos mais pobres do que poderíamos ser.

E eu comentei o seguinte: "Portugal parece-me ser um país de extremos: ou se publica literatura muito erudita, ou livros muito comerciais, sem qualidade. Quase não há um meio termo. As pessoas compram essa literatura erudita com o único fito de a pôr na estante e lêem O Segredo, ou coisas assim".

Penso que, nestes tempos de crise, talvez fosse boa ideia as editoras procurarem essa "literatura popular de qualidade", ou seja, livros que vendem bem, não escondendo a sua faceta comercial, mas que apresentam uma qualquer qualidade, seja a boa caracterização das personagens, ou o bom enredo (e uma escrita que, apesar de não sobressair do ponto de vista literário, seja correta e clara). Na minha opinião, os editores portugueses desprezam muito o enredo. Talvez lhe dessem mais importância, se houvesse uma  indústria cinematográfica, ou se os canais televisivos aproveitassem boas histórias para séries, em vez de insistirem em produzir telenovelas inenarráveis.

3 comentários:

Carla M. Soares disse...

Parece-me bem verdade o que dizes, que por cá se fica pelos extremos, e tenho pena. Valoriza-se quase só o que é tão "literário" que se torna inecessível à generalidade da população, talvez porque por cá - Portugal? Europa? - ainda se ache que o que é bom tem que ser assim mesmo, difícil, para a compreensão de alguns eruditos e espanto da restante população leitora. Menospreza-se, em geral, o que priveligie o enredo, as personagens, sobre a reflexão, a crítica ou o artífício de linguagem. O curioso é que muitos leitores, esses incultos que gostam de ler - deve ser um acaso - procuram obras estrangeiras com as características que muitas vezes as portuguesas não oferecem.Talvez haja, portanto, um nicho por preencher por aqui, de histórias bem escritas e bem pensadas, mas que não se debrucem obrigatoriamente sobre as grandes dores da humanidade...

Cristina Torrão disse...

Sim, é verdade que há essa procura das obras estrangeiras. É que também fica mais barato para as editoras adquirirem os direitos de um livro que vende bem no estrangeiro do que investir em autores desconhecidos. O investimento faz-se mais em autores suscetíveis de ganharem prémios literários. As editoras portuguesas são muito ávidas desses prémios.

Cristina Torrão disse...

P.S. O mais interessante é que é precisamente a literatura de entretenimento que melhora a cultura geral de um povo. Acho incrível que em Portugal ainda não se tenha notado isso e penso que é o que Joel Neto quer dizer com "sem ela continuaremos mais pobres do que poderíamos ser". As obras eruditas são lidas por uma elite e acabam por circular num circuito fechado. O resto dos leitores compra-as, como digo, para as pôr na estante. E forma-se um grande hiato entre a elite cultural e o povo de cultura geral pobre, consumidor de telenovelas.