Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

19 de março de 2011

Batalha de Ourique II - A Aclamação

etc...


O futuro do nosso primeiro rei jogou-se na Batalha de Ourique, atrevo-me mesmo a dizer que o "verdadeiro" Afonso Henriques, como hoje o conhecemos, nasceu naquele dia. Foi a partir de Ourique que começaram a cursar os rumores sobre a sua "força sobrenatural", entre os muçulmanos hispânicos. O que me leva a concluir que a sua aclamação de rei não se deu por acaso, terá sido uma manobra astuta, o que aliás confirma que muito do seu sucesso se baseou nas suas inteligência e astúcia, não só na força bruta.

Diz-nos a lenda que o exército inimigo era comandado por cinco reis mouros. Mais uma vez, deparamo-nos com dificuldades de interpretação. O império almorávida, que regia sobre o al-andalus, encontrava-se em decadência, ameaçado pelos almóadas. Muitos governadores de cidades consideravam-se independentes do poder central, formavam os chamados reinos taifas e intitulavam-se de reis, embora estivessem longe de possuir o poder de um verdadeiro monarca.

De qualquer maneira, parece não haver dúvidas de que o exército mouro era muito maior do que o de Afonso Henriques, mais do dobro, talvez o triplo. Eu aproveitei a lenda:


Ao cair da noite, o príncipe estava reunido com os seus comandantes, quando os espiões moçárabes regressaram. Os homens apresentaram-se tão hesitantes, que ele perguntou:
            - Não conseguistes misturar-vos com os soldados mouros?
            - Conseguimos D. Afonso... Mas aquilo que ouvimos, enche-nos de medo. Ibn’Umar, rei de Granada e de Córdova, veio em pessoa reunir as hostes que restavam em Badajoz, Évora, Beja e Silves. Já para não falar dos reforços de além-mar. Entretanto, até se lhe juntou Abu Zakariya, o rei de Santarém. O que faz deles cinco reis juntos!
            Os senhores entreolharam-se siderados. Afonso retorquiu impassível:
            - De que tamanho é o exército de Ibn’Umar?
            - Mais de cinco mil homens.
Os barões desataram num burburinho inquieto. Afonso calou-os com um gesto e fez sinal ao espião para que continuasse:
- Cortam-nos o caminho até ao Guadiana. Ibn’Umar tomou providências para que a zona entre Beja e o rio fosse igualmente vigiada. Diz-se que ele pretende acabar com Ibn Errik o mais depressa possível, pois anseia partir para Aurélia com os reforços, a fim de fazer frente ao imperador.


A lenda diz igualmente que Jesus Cristo terá surgido a Afonso Henriques, na noite anterior à batalha, e lhe prometeu a vitória. Talvez este aspecto sirva para explicar como é que homens assustados e em muito menor número do que o inimigo conseguiram vencer a peleja. No meu livro, Cristo não aparece ao nosso primeiro rei, mas este não deixa de receber "inspiração divina". Não revelo aqui, porém, qual, há-de haver razão para que queiram ler o romance ;-)


Terras de Santiago


O que parece não oferecer qualquer dúvida é o facto de Afonso Henriques ter sido aclamado rei pelas suas hostes, naquela manhã. O que terá funcionado a nível psicológico. Apercebendo-se de que os seus homens receavam o numeroso exército inimigo, Afonso Henriques, consciente de que naquela batalha se jogava o tudo e o nada, terá apostado na força psicológica, através de um ritual, pondo em prática aquilo que já muitos desejavam: a transformação do condado em reino e a sua aclamação como rei de Portugal.

  
Os primeiros raios de sol iluminavam o cimo do outeiro, onde se tinham juntado todos os guerreiros, a fim de assistirem à cerimónia, naquela manhã de 25 de Julho de 1139, dia de Santiago Mata-Mouros. Afonso Henriques, já armado para a batalha, ostentava o seu pavês, o escudo que usava em cerimónias solenes, adornado com as suas armas: escudetes azuis em forma de cruz. Deu-o para as mãos de Egas Moniz, que o pousou no chão. Afonso pôs-se então em cima do pavês e desembainhou a sua espada. Assim foi erguido, por vários dos seus cavaleiros.
O hábito de aclamação de um rei em cima do seu escudo era um antigo costume visigótico, uma aclamação guerreira que dispensava a coroação litúrgica. E quando os soldados o viram a ser erguido sobre o pavês, de espada em punho, jubilaram:
- Viva el-rei D. Afonso de Portugal!
Afonso pediu silêncio e falou-lhes:
            - Nada temei, bravos guerreiros! Somos menos do que o inimigo, mas a vitória está-nos garantida. - A sua voz, já de si poderosa, troava cada vez mais forte: - Porque para esta nossa primeira batalha contra os infiéis, sem ajudas, seja de quem for, a protecção divina foi-me pessoalmente garantida!
            Já nenhum dos soldados duvidava que a força daquela voz vinha directamente dos céus. Afonso bradava, sem que se notasse que fizesse pausas para respirar:
            - O povo de Portucale, ou Portugal, foi, é e será sempre capaz de lutar sozinho pelos seus interesses. Aqui vos prometo, bravos guerreiros de Portugal: tudo aquilo que viermos a conquistar à mourama, há-de pertencer só a nós! Nada entregaremos de bandeja ao imperador Afonso VII!
            Os homens responderam em uníssono, como se um maestro os dirigisse:
- Viva el-rei D. Afonso de Portugal!

5 comentários:

Bartolomeu disse...

Et... Voilá!
;)
Aqui nos haveis, nobre dama, rendido aos encantos de vosso romencear, convíctos que Lusitanos seremos para sempre, herdeiros do cálix que em tempos aportou a este território, o mais ocidental da Europa.
Encontrava-se inscrito num marco de pedra, encontrado nas faldas da Serra de Sintra, junto ao mar e do qual não se consegui conhecer a origem «Quem nasce em Portugal, é por castigo, ou por missão».
;)

Daniel Santos disse...

mais um bom pedaço. Depois de ler o que aqui tenho tenho de ir ler os outros.

Rogério Maciel disse...

Cara Cristina , gosto do texto . está bonito e realista .
Quanto á "lenda" , não é uma lenda , mas sim realidade .O MIlagre de Ourique , no que concerne á Aparição do Senhôr , Aconteceu .
Não sou apologista de Alexandre Herculano ...reconhêço-lhe o valôr e a inteligência e o facto de sêr Português , mas discordo da História "fria" de MÍstica que êle prefere contar .
Gostaria de aproveitar o texto e publicá-lo no meu blogue , se não se importar .Com os devidos créditos , como é natural.
Um Abraço Luso !

Cristina Torrão disse...

Caro Rogério, não me importo nada que publique o meu texto no seu blogue, até me sinto lisonjeada, obrigada.
Dei lá uma olhada e já me tornei seguidora.
Abraço!

Rogério Maciel disse...

Muito Obrigado Cristina !
Quem se sente lisonjeado sou eu .
Seguimos o blogue um do outro. :)
Abraço !