Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

8 de março de 2024

Ele há mulheres

Ele há mulheres

que mantêm fria a cabeça

na mais opressiva situação.

Logo lhes sai a resposta seca,

ou a adequada reação.

Infalíveis computadores,

neurónios como chips,

músculos como tratores,

ninguém lhes chega aos acepipes.

Não há medo, nervosismo,

nem vergonha, ou intimidação.

Determinada tecla

aciona a correspondente reação.

São imunes ao dramalhão.

 

Raciocinam numa fração de segundo,

indiferentes aos olhares de meio mundo,

ou à solidão de um poço fundo.

E logo se lhes levanta o joelho,

direito à tomatada.

E logo se lhes levanta a mão,

aplicando a bofetada.

E logo se lhes solta a língua,

sem gaguejar, sem hesitar,

em impropérios ao camarada.

 

Ele há mulheres

que desdenham das mulheres

desprovidas de chips,

possuindo detestáveis tiques.

Não pensam com ligeireza,

mostram (sacrilégio!) fraqueza.

O medo deixa-as bloqueadas,

certas palavras, intimidadas,

certas situações, envergonhadas.

Ficam arrasadas,

sentem-se culpadas,

por não terem reagido a preceito

e levado tudo a eito.

 

Ele há mulheres

que criticam estas mulheres

sem dó nem piedade.

E deixam impoluto o homem

que as pôs em dificuldade,

que as ofendeu, ou abusou

de profícua oportunidade.

As indefetíveis mulheres

avaliam de longe a situação

no conforto do seu cadeirão.

“Havia de ser comigo,

dizia isto,

fazia aqueloitro

e deixava o desgraçado num oito”.

Palavras de conforto,

de alento, de carinho,

solidariedade e apoio

para as suas semelhantes?

Mas que tamanhas lacrimejantes!

Não reagiu?

É porque gostou.

Não respondeu?

É porque bem achou.

Queixa-se do homem?

Ainda lhe estraga a vida

por tamanha lana-caprina.

 

Ele há mulheres

duras, implacáveis,

de reflexos memoráveis,

matemáticas e insensíveis,

cheias de soluções exequíveis,

amantes dos clássicos:

“Ai se fosse comigo”;

“Segurem-me que os desfaço”.

Treinadas, musculadas,

engomadas, engravatadas.

 

Ele há mulheres…

Que parecem (certos) homens.

© 2024 Cristina Torrão

 

Desdenhar da fraqueza alheia é cobardia. Solidariedade é coragem.

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Imagem daqui

 

A dignidade humana é intocável.

Direitos das Mulheres são Direitos Humanos.

7 de março de 2024

8 de março

Não nos ofereçam flores. Olhem-nos ao mesmo nível (não de cima para baixo).

O tamanho da pessoa é insignificante, quando está em causa a dignidade humana.

Direitos das Mulheres são Direitos Humanos.

 

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Imagem daqui

 

23 de fevereiro de 2024

Resistência em alemão (16)

Irmã Maria Imma Mack

Depois de vários meses sem dar seguimento a esta série, venho hoje quebrar o silêncio, para falar de uma mulher, a segunda, depois de Sophie Scholl. Escrevi sobre vários padres católicos que contestaram o regime nazi, contrariando uma certa passividade na posição oficial da sua Igreja. Mas também mulheres pertencentes a esta instituição colaboraram com os opositores de Hitler. A Irmã Maria Imma Mack foi uma delas.

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Imagem encontrada no site da Ordem a que pertenceu

Nascida a 10 de fevereiro de 1924, na pequena localidade bávara de Möckenlohe, foi batizada de Josefa Mack. Em 1942, começou a trabalhar num lar de órfãos, em Freising, pertencente ao mosteiro da Kongregation der Armen Schulschwestern von Unserer Lieben Frau. Já nessa altura, Josefa Mack tencionava ingressar nesta Ordem, fundada na Baviera, em 1833. Não sei se tem equivalente em português (se alguém o souber, pode dar a informação nos comentários). Em latim, intitula-se Congregatio Pauperum Sororum Scholasticarum Dominae Nostrae e, em inglês, School Sisters of Notre Dame.

Freising fica a cerca de 30 Km de Dachau, onde existiu um Campo de Concentração, do qual já falei aqui, a propósito do padre Engelmar Unzeitig, prisioneiro do “Bloco dos Padres” (Pfarrerblock). Por lá passaram 2720 sacerdotes, católicos na sua esmagadora maioria e de diversas nacionalidades, levando inclusive um jornalista francês, Guillaume Zeller, a escrever o livro La Barraque des Pretres. Também há um filme alemão, de Volker Schlöndorff, com o título Der neunte Tag.

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Pfarrerblock em Dachau

Em maio de 1944, Josefa Mack foi, pela primeira vez, incumbida de se deslocar ao horto do Campo de Concentração de Dachau, a fim de comprar flores e plantas. Apercebendo-se das condições miseráveis do campo, convenceu as freiras a pouparem na sua própria alimentação, a fim de ela poder levar comida aos prisioneiros, embora fosse proibido. Assim começou ela a ir lá regularmente, com o pretexto de comprar plantas.

Ferdinand Schönwälder, um padre jovem, trabalhava no posto de venda do horto e, um dia, pediu-lhe que trouxesse também vinho para a eucaristia, hóstias e medicamentos para o tifo. Os padres tinham organizado uma capela e pretendiam celebrar missas clandestinas. Josefa Mack colaborou e, durante cerca de um ano, deslocou-se várias vezes ao Campo de Concentração, fazendo, no verão, os 30 Km (para cada lado) de bicicleta e, no inverno, de trenó. As suas missões clandestinas tornaram-se ainda mais perigosas, quando assentiu a mais um pedido de Ferdinand Schönwälder: levar cartas dos prisioneiros para as suas famílias e amigos. Seria o suficiente para condenar Josefa Mack à morte, mas ela chegou a transportar missivas para o o cardinal Michael von Faulhaber, arcebispo de Munique e Freising. E foi ela quem, além das hóstias e do vinho, arranjou velas, santos óleos e paramentos, a fim de que o bispo francês preso em Dachau, Gabriel Piguet, de Clermont-Ferrand, pudesse ordenar padre o diácono Karl Leissner, um outro conhecido opositor do nazismo, beatificado em 1996 por João Paulo II e do qual hei de igualmente falar aqui. Foi a única ordenação de um padre acontecida num Campo de Concentração nazi.

Depois da guerra, Josefa Mack tornou-se noviça e professou em 1946, adoptando o nome de Maria Imma. Muitos anos mais tarde, em 1989, publicou as suas memórias em livro. O título Warum ich Azaleen liebe (“Porque amo as azáleas”) foi inspirado numas azáleas vermelhas que um prisioneiro de Dachau lhe ofereceu, quando ela lhe prometeu visitar os pais dele. A promessa foi cumprida em janeiro de 1945.

Warum ich Azaleen liebe.jpg

Editora eos

Encontrei uma tradução em espanhol, à venda em segunda mão na net:

Por que me gustan las azaleas.jpg

A 19 de Dezembro de 2004, a Irmã Imma Mack foi condecorada femme chevalier da Légion d’honneur, por ter auxiliado os padres franceses de Dachau. E, em 2005, o Presidente da República Federal da Alemanha Horst Köhler condecorou-a com a Bundesverdienstkreuz I. Klasse.

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Imagem do site do Liceu, na Baviera, que passou a ostentar o seu nome

A Irmã Imma Mack faleceu a 21 de Junho de 2006. O seu nome foi dado a um liceu do concelho de Freising, assim como a algumas ruas (uma delas em Munique) e a uma praça, em localidades dessa região.

6 de fevereiro de 2024

Em alemão

 Publiquei o meu primeiro livro em alemão.

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O texto já tem aliás uns bons anitos. Foi com esta história que me iniciei na blogosfera, em 2010. Não passou despercebida, foi referida pelo falecido jornalista Pedro Rolo Duarte, num programa radiofónico, incluindo leitura de um excerto.

Tive, no entanto, de mexer muito no texto. O formato em que foi publicado tem regras muito definidas, nomeadamente, no que diz respeito ao número máximo de caracteres. Não foi fácil, cheguei a pensar não o conseguir. Mas desistir nunca foi meu apanágio.

Decidi apresentar-me como Cristina Santos, por duas razões. Ninguém consegue pronunciar o nome Torrão, por aqui. E, se alguém se lembra de recomendar o livro, não lhe quero dificultar a vida. O segundo motivo é a dificuldade que tenho sentido, em Portugal, em vender os meus livros. Perguntei-me então se o apelido Santos me daria mais sorte. Nem chega a ser um pseudónimo, pois faz parte do meu nome. Foi-me transmitido por um bisavô materno, que nunca conheci, mas cuja história de vida me emociona. Foi um exposto da Santa Casa de Lisboa, com apenas duas semanas de vida. Batizaram-no Carlos da Graça e Santos. Sinto-me feliz ao honrá-lo desta maneira.

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Gostaria ainda de referir que este projeto não seria possível sem a preciosa ajuda do meu marido Horst Neumann. Apesar de possuir o meu “canudo de Germânicas” e viver neste país há trinta e um anos, ainda tenho problemas em certos pormenores gramaticais. E não seria capaz de dar um livro à estampa, sentindo dúvidas desse tipo.

O livro está à venda numa plataforma online, surgida recentemente no mercado alemão, a StoryOne, com sede em Viena. Este ano, a StoryOne tornou-se mais atrativa ao estabelecer uma parceria com uma das maiores redes livreiras alemãs, a Thalia. Um júri irá apreciar as publicações submetidas até 10 de março e escolherá cerca de cem, que serão postas à venda, em papel, nas cinco principais filiais da Thalia: Hamburgo, Berlim, Colónia, Düsseldof e Viena.

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Estou tão entusiasmada com este tipo de projeto, que o segundo livro já está em preparação (cada pessoa é autorizada a participar com o máximo de três obras). No cinquentenário da nossa revolução, escolhi um conto baseado em certos aspectos do 25 de Abril, que tenho na gaveta há cerca de três anos. Além da tradução, não precisei de mexer muito no texto, pois não excedia o número de caracteres exigido. Falarei em breve desse projeto também.

Desejem-me sorte!

28 de janeiro de 2024

Teu irmão, teu rival

Outro dia, li uma publicação no Facebook sobre um tema que me é caro: a rivalidade entre irmãos. O foco eram os irmãos alemães Rudolf Dassler (1896 – 1974) e Adolf Dassler (1900 – 1978), fundadores da Adidas e da Puma (Adidas vem do nome pelo qual o irmão mais novo era conhecido na família: “Adi”, de Adolf, a que se juntaram as três primeiras letras do apelido: “das” de Dassler). Apesar de não ter havido nenhum crime, eles foram comparados a Caim e Abel, por causa da rivalidade que marcou a sua relação. Começaram aliás por fundar a Adidas juntos, mas haveriam de se separar, completamente incompatíveis (daí a fundação da Puma, por Rudolf Dassler).

Nessa menção a Caim e Abel, Paulo Marques, o autor do postal, dizia: “trágica e tristemente, foi entre dois irmãos que se deu o primeiro homicídio da história da humanidade”. Na minha opinião, porém, e num contexto criminal, o acontecimento não é, nem especialmente trágico, nem especialmente triste. Vejo-o como um símbolo muito forte, como o são praticamente todos os acontecimentos relatados na Bíblia. Sejamos crentes, ou não, a sua leitura despoleta (ou “espoleta”, para os mais puristas) reflexões sem fim. A Bíblia é a história da condição humana: conflitos, lutas, ciúmes, traições, tristezas, alegrias, desesperos, obediência cega, heroicidades e, last but not least, a nossa impotência perante as forças da Natureza, venham elas em forma de dilúvio, secas, pragas ou outras, independentemente de acreditarmos, ou não, serem baseadas em castigos divinos.

O crime de Caim sobre Abel é, por isso, um símbolo fortíssimo, ao lado de tantos outros. Irmãos eram, são e serão sempre rivais. Mesmo que se deem bem, há sempre algo por resolver, algo de inquieto, desconfortável, na base do seu "amor". E os pais são os principais responsáveis por essa instabilidade latente. As comparações, as preferências, a vontade de irritar um deles e elogiar o outro (sempre os mesmos, nisso, os pais não alternam), tudo isso, levado ao extremo, pode desembocar numa grande tragédia. Tudo depende da intensidade que os pais põem nessas suas, digamos, inconstâncias. O carácter inato dos irmãos representa um papel bem mais pequeno, pois é, acima de tudo, manipulado pelos pais (mesmo que inconscientemente).

Acham que estou a exagerar? Vamos então à Bíblia! O que gerou tão grande ódio em Caim? A diferença com que Deus o tratou, em relação ao irmão. Sem ser explicada a razão, Deus preferiu as oferendas de Abel, desprezando as de Caim, apesar de este tentar, por todos os meios, agradar-Lhe. Sim, os pais biológicos eram Adão e Eva, mas, na Bíblia, Deus é definido, inclusive por Jesus Cristo, como o Pai por excelência, o Pai da Humanidade.

No seu romance Caim, Saramago mostra compaixão pelo assassino, levado a exercer um crime por Aquele que devia ser o símbolo máximo da Justiça. Porém, na Bíblia, assim como na vida real, ninguém quer saber das razões que levam um irmão a odiar outro. O insatisfeito, aquele que reclama, é sempre apelidado de ciumento, invejoso, violento e sabe-se mais lá o quê. Parece ser-nos mais confortável enchê-lo de epítetos negativos, vê-lo como uma figura fraca, reles, desprezível. Sim, é muito confortável. Dá-nos a ilusão de sermos superiores, justos, cândidos.

Podemos perguntarmo-nos qual a razão de Deus ser tão injusto, neste episódio. Como já o disse acima, temos motivos de sobra para refletir. Mas é pena que, na maior parte das reflexões, a atitude de Deus não seja identificada com a de muitos pais. Podiam evitar-se infelicidades e até crimes. Seria para isso que o autor nos tentava chamar a atenção?

 

Nota: o título deste postal foi inspirado no título de um capítulo do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram o Lavrador. Sim, também o nosso rei-poeta, um rei caracterizado como justo e culto, nunca conseguiu estabilizar a sua relação com o irmão mais novo. Chegaram mesmo a guerrear-se.

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10 de janeiro de 2024

Neve

Apesar de ser no Norte do país, a zona onde vivo não é a mais fria da Alemanha, pois beneficia da influência do Mar do Norte. Já se sabe que as chamadas zonas continentais são mais de extremos. É raro, por aqui, haver as grandes camadas de neve que se conhecem dos Alpes, ou de outras zonas montanhosas da Europa Central, por ironia, bastante a sul de Hamburgo. Vivo numa região plana, semelhante aos Países Baixos. Também no Norte da Alemanha se têm de construir diques, mas mais por causa do rio Elba. Sendo já muito largo, a partir de Hamburgo, ele estender-se-ia sem controlo pelas planuras do seu caminho até à foz, a cerca de 90 km desta cidade portuária.

Isto não quer dizer, claro, que não seja frio. As temperaturas negativas são normais, nesta altura do ano, mas raramente descem abaixo dos -5ºC, ao contrário do que acontece nas montanhas a sul. Costuma, porém, haver pouca neve. Muitas vezes, estamos abaixo de zero, sem neve, nem geada, uma situação interessante, em que o solo congela. Quem tem jardim, pode verificar isso perfeitamente.

Por acaso, neste Outono/Inverno, tem havido bastante neve. Sei que também está frio em Portugal, mas, como na maioria do nosso país não há neve, nem congelam os lagos dos parques, resolvi partilhar algumas imagens que tenho captado, em Stade, nos últimos tempos, e que reuni neste vídeo. Viel Spaß!


 

24 de dezembro de 2023

23 de dezembro de 2023

Livros que mudam as nossas vidas

 

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Entre a primeira publicação deste romance histórico e a sua tradução em português contam-se vinte e nove anos. O da esquerda foi por mim comprado em Londres, em 1996. A edição portuguesa é recente, de Outubro passado.

Nos meus primeiros anos na Alemanha, a fim de continuar a praticar o inglês, o meu marido costumava oferecer-me livros neste idioma. Um dia, chegou a casa com o romance histórico The Reckoning. Eu nunca tinha ouvido falar da autora. E, depois deste livro, decidi ler tudo quanto ela tivesse escrito.

No dito ano de 1996, aproveitei uma breve estadia em Londres para entrar numa enorme livraria e comprar todos os seis romances (em edições de bolso da Penguin) de Sharon Kay Penman que lá encontrei (na altura, a autora publicava como Sharon Penman). Escolhi uma grande filial de uma conhecida rede inglesa de livrarias para precisamente aumentar a possibilidade de encontrar diferentes livros da autora.

Os romances de Sharon Kay Penman influenciaram grandemente a minha vida. Em primeiro lugar, convenci o meu marido a passar uma semana de férias no País de Gales, depois de ler a sua trilogia sobre os últimos tempos dessa nação como Principado independente e a sua conquista pelo rei inglês (séculos XIII, XIV). A autora escreve de maneira tão fascinante sobre todo o processo, que me pôs com uma vontade irresistível de ir conhecer essas paragens.

A maior influência exercida por Sharon Kay Penman em mim foi, porém, a minha resolução em escrever romances históricos. Ela provocou uma verdadeira odisseia na minha vida, na procura pormenorizada de factos históricos, durante anos e sem grandes meios, a fim de escrever romances sobre os dois mais importantes reis da nossa época medieval: D. Afonso Henriques e D. Dinis. E acabei igualmente por escrever, já em 2018, sobre D. Teresa.

Sharon Kay Penman, falecida em 2021, não estava ao nível de um Nobel, mas possuía grande sensibilidade, levando-nos a apaixonar-nos pelas suas personagens, fazendo das suas lutas as nossas lutas, alegrando-nos, sofrendo e mesmo chorando junto com elas. Pouco mais se pode exigir de uma escritora, ou escritor.

Sempre me entristeceu o facto de os seus livros não estarem traduzidos em português. Foi, por isso, uma agradável surpresa tomar conhecimento deste. O título Quando Cristo e os seus Santos Adormeceram é uma frase tirada de uma crónica medieval, sobre o período em questão: Never before had there been greater wretchedness in the country…And they said openly that Christ and His saints slept (The Peterborough Chronicle).

Os acontecimentos relatados nestas mais de 700 páginas são contemporâneos do nosso Afonso Henriques. No século XII, a Inglaterra foi devastada por uma guerra civil durante dezanove anos. O único filho varão de Henrique I morreu jovem, ao afundar-se a sua embarcação na travessia do Canal da Mancha. Henrique I nomeou sucessora a filha Matilda, conhecida como imperatriz Maude por ter sido casada com o imperador germânico Henrique V. Matilda enviuvou muito cedo e regressou a Inglaterra. Mas, por ser mulher, foi o seu primo Stephen quem acabou por ser coroado, depois do falecimento do rei.

A imperatriz Maude nunca se conformou. Ela e o rei Stephen digladiaram-se numa sangrenta e longa guerra civil (que decorria ainda por alturas da Conquista de Lisboa, a razão por não terem saído de Inglaterra tantos cruzados como seria de esperar). Matilda nunca conseguiu alcançar o trono, mas foi o filho do seu segundo casamento quem o herdou, dando início a uma das mais conhecidas dinastias da História. Henrique II, marido de Leonor da Aquitânia e pai dos famosos Ricardo Coração de Leão e João Sem-Terra, foi o primeiro rei Plantageneta. O seu pai francês era conhecido por esse título, aliás, uma alcunha, pois, verdadeiramente, ele era conde de Anjou.

A edição portuguesa foi traduzida por Elsa T. S. Vieira e publicada pela Kathartika.

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Feliz Natal

6 de outubro de 2023

No país dos mamarrachos

 

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Imagem: Nelson Garrido

A polémica, felizmente, não durou muito. O povo decidiu, os ânimos serenaram. E ainda bem. Salvo raras exceções (como quando glorificam ditadores) as estátuas não devem ser removidas de ânimo leve.

Dito isto, e porque tenho uma ligação afetiva com a cidade do Porto, a minha opinião sobre o objeto da discórdia é: feia! Mas não é por causa do nu, ou de incitar ao assédio (não adianta vir com esses argumentos nos comentários). É simplesmente grosseira. O Camilo está péssimo, destituído de dignidade. Parece um avozinho caquético, deslumbrado por uma menina nua, aproximando-se dela, com o pretexto de a proteger do frio. É isso que me vem à cabeça, quando olho para a estátua.

Além disso, não tem nada a ver, mesmo nada, com o romance Amor de Perdição. Nem sequer com o conjunto da obra de Camilo, ou com a sua vida. Camilo não era nenhum D. Juan, ou Casanova. A sua relação com Ana Plácido causou polémica por se tratar de adultério e os dois terem ido parar ao calabouço. Superado esse período negro, porém, eles levaram uma vida normalíssima.

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Camilo Castelo Branco e Ana Plácido, com um dos filhos – Imagem Rádio Portuense

E, se Camilo não era nenhum Casanova, Ana Plácido estava longe de ser uma Vénus. A que se acrescenta o facto de não ter sido muito mais nova do que ele, como sugere a estátua (para quem a identifica com a figura feminina). Cerca de seis anos separavam os seus nascimentos. E envelheceram juntos, como a maior parte dos casais.

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Camilo e Ana Plácido já "entradotes" – Imagem Museu Virtual do Tribunal da Relação do Porto

Diz o autor da estátua que a menina representa as musas de Camilo. Todos os artistas têm as suas inspirações. Mas o nosso escritor das musas é o Luís Vaz (e fico-me por aqui, para não rimar), que, tendo vivido numa época mais recuada, sobre a qual as informações são escassas, convida mais à criação de lendas e mitos.

No fundo, esta estátua não passa de um mamarracho. O povo decidiu bem? Decidiu. Há tantos mamarrachos espalhados pelo nosso país, que não se justifica o trabalho de remoção de um deles.

Camilo merecia melhor? Oh sim, merecia! Mas já Cristo nos disse: «Um profeta é respeitado em qualquer lugar, menos na sua terra, entre os seus parentes e pela sua própria família» (Marcos 6:4).

 

1 de outubro de 2023

Comemorações dos 900 anos do Foral de Viseu

Depois de tão grande ausência, regresso com mais publicidade. Neste caso, porém, o evento já passou. No passado dia 23 de setembro, estive em Viseu para falar dessa grande mulher que foi Dona Teresa.

 


Os meus agradecimentos à Câmara Municipal de Viseu, na pessoa da Dra. Dora Mariano, Chefe da Divisão Cultural, e à Dra. Liliana Tavares, dirigente da Rede de Museus Municipais.

Aqui vai um momento da conversa:


 

Em breve regressarei para finalmente pôr as leituras em dia.

2 de fevereiro de 2023

Momento publicitário (2ª parte)

E deixo aqui o link da RTP Play para o 10º episódio da série documental Duplas à Portuguesa, transmitido ontem. É dedicado à dupla Afonso Henriques e Egas Moniz.

Infelizmente, não tem direitos de transmissão para o estrangeiro, só poderei ver o programa no próximo dia 7, na RTP Internacional.

https://www.rtp.pt/programa/tv/p42647/e10

24 de janeiro de 2023

Momento publicitário

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Não sei se já ouviram falar na série documental Duplas à Portuguesa, que costuma passar na RTP2, às quartas-feiras, pelas 22:50 horas. O 10º episódio, dedicado à dupla D. Afonso Henriques/Egas Moniz, vai para o ar no próximo dia 1 de fevereiro.

A 13 de julho de 2021, desloquei-me ao Museu Soares dos Reis, no Porto, a fim de ser entrevistada sobre essa dupla, para essa mesma série. A entrevista durou cerca de uma hora, mas deduzo que apenas alguns momentos serão mostrados, pois são entrevistadas várias pessoas sobre cada tema (isto, no caso de terem aproveitado alguma coisa da minha entrevista).

E era isto. Se pudessem ver, agradecia.

 

11 de janeiro de 2023

Resistência em alemão (5)

 Willi Graf

Willi Graf - Placa de homenagem na casa onde nasce

Placa de homenagem a Willi Graf com foto, na casa onde nasceu

Wilhelm „Willi“ Graf nasceu a 2 de janeiro de 1918 em Euskirchen, mas a família mudou-se para Saarbrücken quatro anos depois, onde o pai Gerhard Graf tomou conta de uma quinta pertencente à paróquia de São João. A família era muito ligada à Igreja, Willi Graf ajudou à missa e pertenceu a uma organização de Juventude Católica chamada Bund Neudeutschland, proibida assim que o Partido Nazi alcançou o poder. Em 1934, Willi Graf ingressou numa outra organização católica, a Grauer Orden, abertamente crítica do regime e também proibida, mas que sobreviveu vários anos na clandestinidade, dividida em pequenas unidades regionais.

Willi Graf recusou ingressar na Juventude Hitleriana, apesar de o terem ameaçado de, nesse caso, não lhe permitirem acabar o liceu. Também não se deixou convencer, quando lhe propuseram que ingressasse apenas para manter as aparências. O jovem manteve-se firme nas suas convicções e conseguiu concluir os estudos liceais, de maneira a poder iniciar o curso de Medicina, em Bona, no outono de 1937.

Em 1938, foi preso, junto com outros elementos da Grauer Orden. Algumas semanas mais tarde, porém, beneficiou de uma amnistia na sequência da anexação da Áustria. Quando rebentou a guerra, foi alistado. Serviu a Wehrmacht (exército alemão) até 1942 como socorrista e médico auxiliar na Bélgica, França, Jugoslávia e União Soviética, assistindo a muitas atrocidades. Segundo a sua irmã Anneliese, estas experiências despertaram nele a convicção de que teria de agir.

Willi Graf Soldado.JPG

https://www.literaturland-saar.de/themen/willi-graf-briefe-tagebuecher/willi-graf-briefe-und-tagebuecher/

Em abril de 1942, foi transferido, junto com os seus colegas de curso, para a Universidade Ludwig-Maximilian, em Munique, onde entrou em contacto com Hans e Sophie Scholl, tornando-se num elemento ativo do grupo Weiße Rose. Na primeira metade de Fevereiro de 1943, além da distribuição dos folhetos, Willi Graf, Hans Scholl e Alexander Schmorell pintaram em vários edifícios de Munique palavras de ordem, como “Abaixo Hitler” e “Hitler assassino em massa”.

Quando, a 18 de Fevereiro, os irmãos Scholl foram descobertos a distribuir os folhetos e entregues à Gestapo, Willi Graf e a sua irmã Anneliese foram igualmente presos, passadas poucas horas. Anneliese, porém, nada tinha a ver com o Weiße Rose (nem sequer sabia que o irmão pertencia ao grupo) e foi libertada. Ele foi condenado à morte a 19 de abril de 1943, mas, ao contrário dos irmãos Scholl e de Christoph Probst, a sentença não foi imediatamente cumprida. Durante seis longos meses, a Gestapo submeteu-o repetidamente a interrogatórios, na esperança de conseguir extorquir-lhe nomes de outros “traidores”. Willi Graf acabou por ser executado pela guilhotina a 12 de outubro de 1943. Foi sepultado em Munique, mas, a pedido da família, os seus restos mortais foram trasladados para Saarbrücken, onde, a 4 de novembro de 1946, foram depositados num túmulo de honra, no cemitério de São João.

Em 1999, Willi Graf foi inserido no Martirológio Católico do século XX. A 27 de dezembro de 2017, a diocese de Munique-Freising anunciou considerar a sua beatificação e a 1 de novembro de 2018, foi inaugurado o sino Willi Graf na Igreja de Santa Elisabete, em Saarbrücken.

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https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=74050872

Além de vários liceus e ruas, têm o nome de Willi Graf: um lar de estudantes em Munique, um lar de idosos em Saarbrücken, um centro de formação para famílias em Neuss e um centro de convívio para jovens em Ludwigshafen am Rhein.

Terminada a guerra, a irmã Anneliese Knoop-Graf dedicou-se intensivamente a analisar a vida, o pensamento e a acão de Willi Graf, através dos diários dele, entre outras fontes. O seu trabalho em prol do estudo da resistência alemã ao nazismo valeu-lhe um doutoramento Honoris Causa pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Karlsruhe. Anneliese Knoop-Graf também instituiu o Prémio Willi Graf no Liceu Irmãos Scholl de Münster, conferido anualmente a finalistas que se destaquem pelo seu desempenho.

28 de dezembro de 2022

Resistência em alemão (4)

 Christoph Probst

Sophie Scholl, Hans Scholl, Christoph Probst - Fot

Foto: George (Jürgen) Wittenstein/akg-images

Nesta fotografia, além dos irmãos Hans e Sophie Scholl, encontra-se o seu amigo e companheiro de luta do grupo “Rosa Branca” Christoph Probst (à direita). Esta fotografia acabou por ser premonitória, pois os três foram presos e executados no mesmo dia.

Christoph Hermann Ananda Probst nasceu em Novembro de 1919, filho de Hermann Probst, um engenheiro químico com ligações ao meio artístico, nomeadamente, com artistas proscritos pelo regime nazi. Hermann Probst era igualmente um estudioso do sânscrito e da filosofia indiana. O filho cresceu assim num meio valorizador da liberdade cultural e religiosa.

O destino de Christoph Probst foi particularmente trágico. Estudante de Medicina na Universidade Ludwig-Maximilian de Munique, dava ideias para a criação dos folhetos distribuídos clandestinamente pelo grupo "Rosa Branca". Mantinha-se, porém, afastado de um envolvimento mais comprometedor. Só por ocasião da Batalha de Estalinegrado, se decidiu a escrever ele próprio um texto, que deveria constar do sétimo folheto. Nunca chegaria a ser imprimido. Quando os irmãos Scholl foram descobertos a distribuir o sexto panfleto, Hans tinha no bolso o rascunho de Christoph Probst, contendo, entre outras frases de repúdio pelo nazismo: “Hitler e o seu regime têm de cair para que a Alemanha possa continuar a viver” (Hitler und sein Regime muss fallen, damit Deutschland weiter lebt).

Christoph Probst foi preso de imediato e, apesar de as atas dos interrogatórios provarem que Hans e Sophie tudo fizeram para tentar ilibar o amigo, assumindo a responsabilidade de todas as ações da “Rosa Branca”, ele viria a ser executado, pela guilhotina, apenas quatro dias depois, tal como eles. A tragicidade do seu destino, porém, não se resume a esta série de acasos infelizes. Casara em 1940, com apenas 21 anos, e já era pai, a razão porque se mantivera cauteloso em relação à sua participação na “Rosa Branca”. Quando foi executado, a 22 de Fevereiro de 1943, tinha dois filhos e uma filha, esta com apenas quatro semanas de vida. Herta Dohrn, a sua jovem mulher, encontrava-se ainda no hospital, devido a complicações desse último parto.

Christoph Probst.jpg

Wikipedia

Momentos antes da sua execução, Christoph Probst foi, a seu pedido, baptizado catolicamente e está incluído no Martirológio alemão do século XX, publicação a cargo da Conferência Episcopal deste país. Além disso, consta igualmente da Neue Deutsche Biographie (NDB), uma publicação da Comissão Histórica da Academia Bávara das Ciências (Bayerische Akademie der Wissenschaften), que reúne biografias dignas de nota. As entradas são de autoria diversa; a de Christoph Probst é do seu filho mais velho, Michael Probst, nascido em 1940 (falecido 2010).

Além de algumas placas de homenagem, em diversos locais (como na Universidade Ludwig-Maximilian de Munique), Christoph Probst dá o nome a várias ruas e a três liceus (o que, aliás, comparado com os irmãos Scholl - cerca de duzentos liceus - soa a pouco).

14 de dezembro de 2022

Resistência em alemão (3)

 Alexander Schmorell

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Alexander Schmorell nasceu em Setembro de 1917 em Orenburg, cidade russa perto da fronteira com o Cazaquistão. Tinha, porém, nacionalidade alemã, pois descendia de uma família da Prússia Oriental (território hoje dividido entre a Rússia e a Polónia). A sua mãe russa era filha de um padre ortodoxo e Alexander foi batizado na Igreja Ortodoxa. A senhora morreu, porém, quando o filho tinha apenas dois anos e, em 1921, Alexander acabou por ir com o pai médico e a sua segunda mulher para Munique.

Em 1935, conheceu Christoph Probst no liceu, que, tal como ele, haveria de pertencer ao grupo “Rosa Branca”. Em 1937, entrou para o serviço militar e, em 1938, participou na anexação da Áustria e na invasão da Checoslováquia. Já nessa altura terá entrado em conflito com a ideologia nazi.

Cumprido o serviço militar, e apesar de ser mais inclinado para as artes (pintura e escultura), iniciou, por influência do pai, o curso de Medicina em Hamburgo. Nas férias de Verão de 1940, teve de cumprir serviço como socorrista na frente francesa e, regressado à Alemanha, encetou os seus estudos em Munique, na Universidade Ludwig-Maximilian, onde conheceu Hans Scholl.

Tornou-se num dos principais membros do grupo “Rosa Branca”, tendo dividido com Hans Scholl a autoria de quatro folhetos, criados e distribuídos entre Maio e Julho de 1942. Nesta altura, os dois foram novamente mobilizados, desta vez, na frente do Leste, e, depois do seu regresso a Munique, o tom dos seus textos contra o regime nazi endureceram. Além disso, procuraram aumentar o seu raio de ação, também com a ajuda do Professor Kurt Huber, tentando contactos com Berlim. Alexander Schmorell distribuiu panfletos igualmente em várias cidades austríacas e, junto com Hans Scholl, pintou palavras de ordem como “Abaixo Hitler” e “Liberdade” em muros e paredes de Munique.

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Placa de homenagem a Alexander Schmorell na Universidade Ludwig-Maximilian de Munique

Depois da detenção dos irmãos Scholl e de Christoph Probst, Alexander Schmorell tentou, em vão, fugir para a Suíça com um passaporte falso. Nada mais lhe restou do que regressar a Munique, onde havia já um mandado de detenção em seu nome, com uma recompensa de 1000 marcos. A 24 de Fevereiro de 1943, o dia do enterro dos seus amigos executados, foi reconhecido num abrigo de ataque aéreo e detido, após denúncia. Condenado à morte por decapitação a 19 de Abril de 1943, foi executado a 13 de Julho seguinte, com vinte e cinco anos de idade.

Alexander Schmorell foi incluído na lista dos Novos Mártires da Igreja Ortodoxa Russa no estrangeiro, em Novembro de 1981. Em 2007, esta Igreja decidiu canonizá-lo, processo que se concluiu com a respetiva cerimónia, a 4 de Fevereiro de 2012, em Munique. O dia da sua morte, 13 de Julho, é o dia do Santo Alexandre de Munique, nesta liturgia

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